Como surgiu a ideia do edital de intervenções artísticas para a campanha
O tamanho do problema
Um dos pontos-chave durante o planejamento da campanha #LivreParaProtestar era como chamar a atenção das pessoas para essa questão de uma maneira criativa.
Direito de protesto não é um assunto fácil. Muitas pessoas com as que conversamos no dia-a-dia, mesmo que sensíveis a questões de desigualdade social, inicialmente perguntam: mas por que fazer uma campanha por isso? Não há coisas mais urgentes?
A questão é que o direito ao protesto é um meta-direito: quando um direito – como educação, saúde, transporte – é garantido na teoria, mas não na prática, o protesto é uma via que pode levar ao seu acesso. É uma maneira de se fazer ouvir pelo poder público. Por isso ele é tão importante. E em uma sociedade tão desigual como a nossa, não é de se espantar que a maioria das pessoas cujos direitos já estão garantidos se esqueçam da importância dele.
Quem tem que brigar para ver seus direitos efetivados sabe que a violência é uma constante na hora de exigi-los na rua. E a violência não é só física, da polícia, mas é também simbólica, de quem passa e diz que quem está ali protestando não tem mais nada para fazer, que só está ali para bagunçar e atrapalhar a vida alheia. Na grande maioria das vezes, quem está ali foi na verdade tomado por um sentimento de indignação e de injustiça tão grandes que tornou-se necessário parar tudo e expressar isso para outras pessoas saberem.
É verdade que protestos podem trazer situações de conflito e tensão. E isso faz parte da democracia: a força de um regime democrático é demonstrada na sua capacidade de articular e canalizar politicamente esses conflitos. E também é verdade que a forma como a polícia lida com o cidadão que exerce seu direito de reivindicar direitos é um bom termômetro da qualidade da democracia do país. Daí podemos tirar algumas conclusões sobre a situação brasileira.
Rotular situações de protesto como “não pacíficas” para negar os direitos que protegem os protestos sociais e os manifestantes é uma maneira de tentar esconder algo muito mais sério: as desigualdades sociais no Brasil e na América Latina são gigantescas e representam um grande entrave para se consolidar uma democracia. Violações e dispersões arbitrárias de manifestações não podem ser realizadas sob a justificativa de reação a atos violentos.
Como chamar atenção para isso?
Mas como ter essa conversa com a população? Em um contexto de polarização onde o conflito é criminalizado, como gerar reflexão por caminhos inesperados? Foi então que pensamos que seria necessário um caminho de viés, ou seja, uma maneira de acessar as pessoas não só racional, mas também subjetivamente. Daí surgiu a ideia de financiar iniciativas artísticas para encorajar esse debate e já inseri-lo no espaço público. O poder da arte é galvanizador – e isso era importantíssimo, pois vai na contramão da tendência polarizante atual.
Mas que tipo de iniciativas? Quais artistas? Como alcançar várias regiões diferentes do país? A princípio pensamos em acionar parceiros regionais para pedir indicações. Mas somos uma organização pequena e, além de termos pouco tempo, seria importante obter um resultado bem democrático, variado e representativo de outros campos de atuação além do nosso. A solução do edital surgiu imediatamente. A ideia ainda oferecia a possibilidade de aportar recursos da campanha ao setor artístico, que vem sofrendo com o corte de políticas públicas no país. E como era importante que a iniciativa contasse com o olhar de outros parceiros do setor de direitos humanos para avaliar os projetos inscritos, convidamos vários representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil, acadêmicos e artistas de diferentes regiões do Brasil para criar um conselho curador.
O edital e a seleção dos contemplados
Anunciamos o edital nas redes sociais no dia 5 de agosto: “A ARTIGO 19 vai apoiar iniciativas de intervenções artísticas no espaço público que tratem da importância do direito de protesto e de coibir a violência policial e outras violações em manifestações. As bolsas podem ser de R$ 5 mil ou R$ 10 mil reais e as intervenções devem ser executadas até o final do mês de outubro de 2019. Inscrições abertas até o dia 18 de agosto.” Encerradas no dia 19 de agosto, foram 248 inscrições, muito mais do que esperávamos.
Fizemos três rodadas de avaliação. Para a primeira, montamos uma tabela com os 248 contemplados, dividimos essa tabela em sete e distribuímos uma para cada membro do conselho curador, pedindo que cada um escolhesse as três melhores propostas daquele bloco, dando uma pequena justificativa para cada escolha, baseada em uma série de quesitos. Na segunda, pedimos que os sete conselheiros dessem notas de 1 a 3 para as 21 propostas eleitas na primeira rodada. Na terceira, avaliamos as melhor avaliadas nos quesitos de segurança e representatividade regional, chegando enfim aos seis contemplados finais, anunciados no dia do lançamento da campanha #LivreParaProtestar, 5 de agosto.
Foram escolhidas duas pinturas de mural, uma pintura de escola com confecção de zines, uma performance, uma oficina de lambe-lambes e uma oficina de audiovisual. Todas em estados diferentes da federação: Bahia, Ceará, Minas Gerais, Maranhão, Pernambuco e São Paulo.
Acompanhe, nessa série de posts, mais informações sobre cada um dos contemplados.